Os sete centros emergenciais criados pela prefeitura de São Paulo nas últimas semanas para receber populações em situação de rua e moradores de favelas em condições vulneráveis - e conter a pandemia da Covid-19 - não proporcionaram isolamento social, medida recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), pelo prefeito Bruno Covas e pelo governador João Doria, na avalição de grupos da sociedade civil como o Fórum Aberto Mundaréu da Luz, o Quartos da Quarentena e parte do Comitê Intersetorial da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê PopRua), formados por urbanistas, médicos, advogados, entidades e associações.
Por meio de cartas, plataformas online e ofícios endereçados ao poder público (até agora sem resposta), eles propõem a utilização de hotéis como abrigos temporários. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis de São Paulo (ABIH - SP), a taxa de vacância na cidade chega a 95%.
Dados do último censo realizado pela prefeitura de São Paulo no ano passado mostram que há 24.344 pessoas em situação de rua na cidade, dentre as quais 11.048 na região central. Para acolhê-las, a SMADS utilizou a estrutura de clubes do município, fechados em razão da quarentena, nos quais dispôs camas e beliches distanciados em um metro. Os locais possuem chuveiros, assistência médica e social e funcionam 24horas.
No total, são 594 vagas distribuídas em sete centros, nas regiões da Sé e da Luz, de Santo Amaro, Santana, Mooca, Lapa e Vila Clementino, que se somam aos 89 que já existiam. A previsão da prefeitura é que as estruturas custem, por mês, cerca de R$ 1 milhão.
Para a urbanista Simone Gatti, as medidas tomadas pela prefeitura até agora são importantes, mas não restringem a circulação de pessoas. "Essas ações ampliam e melhoram as condições do serviço público, mas não trabalham com isolamento social. É importante entender que são coisas diferentes. O isolamento é necessário, sobretudo, para impedir a transmissão do vírus", diz ela, que trabalha no programa de monitoramento sobre políticas sustentáveis na América Latina da ONU Habitat e é representante do Instituto de Arquitetos do Brasil em São Paulo (IAB) no Conselho Municipal de Política Urbana e da comissão executiva da operação urbana do centro.
Gatti integra dois grupos (Fórum Aberto do Mundaréu da Luz e o Quartos da Quarentena) que propõem aos governos do município e do Estado a utilização de hotéis e prédios públicos vazios como solução para o isolamento.
O QUE ESTÁ SENDO PROPOSTO
O Fórum Aberto Mundaréu da Luz é um coletivo criado em 2017 para pacificar e integrar a região da Luz, que abriga a cracolândia, por meio de projetos e iniciativas sociais.
No dia 21 de março, o coletivo enviou uma carta a diversas secretarias municipais e ao governo, Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo com medidas que considera emergenciais para proteger pessoas em situação de vulnerabilidade. Não houve resposta oficial, mas alguns pedidos coincidem com as providências tomadas pela prefeitura. A proposta de moradia temporária aos desabrigados nos prédios públicos vazios da região central, no entanto, ficou de fora.
"Essa é uma reivindicação antiga, mas a pandemia retoma esse debate. Entendemos que é preciso uma ação mais emergencial, por isso, após a carta, outras ideias começaram a ser debatidas, como o uso dos hotéis", afirma Gatti.
Esse é também o entendimento de Bianca Tavolari, pesquisadora do Núcleo de Direito e Democracia do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) e professora do Insper. "Se o não cumprimento da função social da propriedade com imóveis públicos vazios já era claro, com a pandemia ficou evidente. Esse é um problema tanto do ponto de vista de proteção a essas pessoas quanto de proteção à saúde pública".
O mesmo raciocínio, segundo Tavolari, aplica-se emergencialmente aos hotéis. Ela é uma das integrantes do projeto "Quartos da Quarentena", uma plataforma online que coleta assinaturas da sociedade civil como meio de pressionar o poder público a utilizá-los como abrigo. A iniciativa é de diversas organizações que já trabalham com questões urbanas em cinco cidades: Belo Horizonte, Florianópolis e Recife, nas quais os pedidos são direcionados aos prefeitos; Porto Alegre e São Paulo, direcionados aos governadores.
Tavolari levanta pontos que considera importantes para que o projeto dê certo. Um deles é o oferecimento, por parte do poder público, de cuidado com alimentação, limpeza e bem-estar da população que for recebida nos hotéis. Outro, é garantir que a iniciativa não se transforme em política de transferência de renda para os estabelecimentos. "A proposta permite que a economia dos hotéis gire, que os funcionários não sejam demitidos, mas os hotéis não podem lucrar com isso", opina.
FONTE: BBC NEWS
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